intimidade desnudada
na viagem entre uma estação e a outra, pedi-lhe para não se ir embora, para ficar comigo. disse-me que não. deu-me um beijo na cara, tentou dar-me outro, virei a cabeça para o outro lado. o metro parou. saiu e eu fiquei. o meu corpo imaginado saltou porta fora e correu atrás dele. o outro, físico, real, ficou onde estava e moveu-se só com o andar da carruagem que seguia viagem e nos separava.
desci do comboio em charing cross. domingo à noite, a estação deserta, com as suas luzes brancas que reflectiam ainda mais a minha solidão. enquanto as escadas rolantes me levavam, pensei que a minha vida dava um filme mau, daqueles que passam na sic nos domingos à tarde, com começos brilhantes e sorridentes e fins pateticamente trágicos.
lá em cima, um tipo com um ar simpático, parecido com o ray charles, tocava jazz, como acontece frequentemente no metro de londres. eu era a sua única companhia, e disse-me 'it seems you had a lovely day out there', ao qual sorri e continuei a caminhar. out there, I had, indeed a lovely day, pensei. revi hoje a pessoa que ocupou a minha mente, o meu tempo, a minha vida e practicamente todo o meu espaço mental durante os últimos seis meses. não o via desde agosto e não creio que o voltarei a ver até um agosto qualquer num futuro, apesar de hoje ter sindo, indeed, a lovely day, como me disse o outro.
não o voltarei a ver porque não sei gerir as minhas emoções, porque não consegui encontrar um equilibrio entre viver um grande amor e ter uma vida intelectual tão sonhadora quanto penosa e ambiciosa.
no outro dia, uma amiga dizia-me que se encontras qualquer pessoa que esteja sozinha depois dos 30, é porque há qualquer coisa que não está bem. não sei se é regra geral, mas no meu caso, há uma deficiência maior em conseguir amar e em ter constância. não sei controlar as minhas emoções, não sei articular os meus sentimentos com a minha ambição e não conheço a palavra equilíbrio. e ele o único a ter entrado no meu coração nos últimos anos, é mais uma evidência das minhas incapacidades. expulsei-o da minha vida, num acto auto-destrutivo e cruel que aprendi a executar com exímia habilidade. entretanto, tinha já encontrado uma nova distração, menos penosa porque menos passional, que não me dava trabalho, tristezas, não me punha em causa a mim mesma e dava-me a estabilidade de moderadas sensações que necessito para conseguir empurrar a minha vida para onde a quero levar.
contudo, não esperava ter sentimentos assim fortes. e fiquei vazia. para além de triste, mas a tristeza é visivel entre cada linha deste texto, não preciso de a mencionar.
apaixonei-me e suicidei o meu amor com o meu medo. não consigo ter o que não domino e controlo. e amputo partes essenciais da minha felicidade em prol do meu orgulho e de um ego tão complexo quanto incomensuravelmente vasto.
não acredito em voltar atrás. sei que não se pode voltar a percorrer uma estrada já feita, porque o tempo não é o mesmo e a descoberta já está manchada pelo conhecimento.
mas não consigo evitar a tristeza. que me consome a alma e me corroi a alegria, sobretudo porque fui o gerador de todo este mecanismo de aniquilação dos meus sentimentos. agora, prossigo mais ou menos solitariamente por mais uma infidável sequência de bulímia sentimental, em que procuro um amor e uma adoração que não sei, nem quero, dar.
para trás ficou alguém. alguém que amei tanto que nunca consegui encontrar as palavras certas para o dizer. alguém que me fez desaparecer o mundo ao meu redor de um modo tão fantástico que me assustei e fugi. perdi mais um jogo. agora procuro levantar-me e caminhar sem me recordar que tenho um passado ainda demasiado presente.
mandei este email a quatro amigos precisos porque estou a precisar de falar com alguém, às quatro da manhã de um domingo à noite em que a minha única companhia são as lágrimas que me escorrem cara abaixo.
7 comments:
Mais cedo ou mais tarde vais encontrar alguém que te vai dar aquilo que buscas.Sorte!
talvez... (digo talvez porque não sei nada da história e porque não te conheço e, como tal, não sei descodificar a verdade para além do que escreves e para além da forma como a vês), mas talvez... talvez não tenha sido bem assim! Talvez não tenhas sido tu a não saber gerir as duas coisas! talvez ele não fosse quem tu realmente mereces, ainda que tenhas gostado, ou gostes, tanto dele! Talvez não seja ainda a pessoa que vai fazer com que tudo flua com suavidade e naturalidade! E de repente vás perceber que afinal não havia nada para gerir, nenhum conflito entre as tuas próprias características! Talvez um dia, quando menos esperares, percebas que afinal tudo é muito natural e toda essa dor e dificuldade passem assim... sem que percebas como pudeste tu andar tanto tempo a sofrer, mas já nem vais querer pensar muito nisso... :)
se calhar estou só a dizer disparates! Desculpa, mas fez-me impressão esse teu sofrimento em solidão e fez-me lembrar de mim, há um tempinho atrás, quando iniciei o meu já encerrado "Tolice".
:) espero que estejas melhor.
Singularmente desnudada, eu diria. Há pouca gente a fazê-lo assim nos blogues. Eu, que sou teu leitor, comovidamente agradeço. Pouco mais sei fazer. Não sei, nem saberia dar-te qualquer conselho que fosse sobre essa coisa complicada que é o amor...
Mas posso dizer-te que alguém que consegue explanar-se assim, alguém que consegue dissecar assim as emoções e os pensamentos que lhe atravessam o espírito e o corpo, só pode estar em plena e perfeita evidência das suas capacidades.
Como cineasta frustrado, egoisticamente, gostei deste relato da tua solidão, pelas imagens que me proporcionou, pela espécie de fime que assim nasceu na minha imaginação; como teu virtual amigo preocupa-me um pouco a tua tristeza mas sei que as lágrimas têm poder miraculoso e que teu nome revela tudo: logo, logo hás-de encontrar o amor ao dobrar duma esquina, todos os dias hão-de sorrir-te como a mais feliz das primaveras.
um abraço
(e perdoa-me se digo coisas insensatas)
Eu também não sei se a regra é geral, Filipa. Mas temo bem que não estejas sozinha nesse filme. Tenho ouvido e vivido histórias semelhantes. Doem muito, é verdade. E, às vezes, continuam a doer mesmo depois de as lágrimas secarem. O mundo transformou-se num lugar esquisito.
Recebe um xi-coração apertado
Curiosamente, hoje um amigo enviou-me o link do teu blog com as seguintes palavras "A tua alma gémea"...
Independentemente do juízo dele vim espreitar-te aqui, como voyeur que sempre sou,e li este teu relato. Impressionou-me, particularmente, quando escreves: "...qualquer pessoa que esteja sozinha depois dos 30, é porque há qualquer coisa que não está bem. não sei se é regra geral, mas no meu caso, há uma deficiência maior em conseguir amar e em ter constância. não sei controlar as minhas emoções, não sei articular os meus sentimentos com a minha ambição e não conheço a palavra equilíbrio..."
Falas de mim sem saber! No fundo, acho bom sentir que há mais assim, pois para todos os que assim sentem significa que talvez não estejamos tão perdidos ou errados!
Aceita um beijo de um estranho, e até breve...
... conheço essa realidade, mas sem as distracções ...
... talvez o problema esteja no facto de os sentimentos serem intelectualizados no minuto em que nascem ...
... não sei ... fica um beijinho amigo, serve?
Beijinho!
Sinapse
uau. grande texto. li de uma assentada e agora apetece ler devagarinho novamente. é o melhor elogio que consigo fazer, é um texto que dá vontade de ler muitas vezes.
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