Rir de tudo
Fora do mundo, soube hoje que Mário Cesariny tinha morrido.
Senti-me estúpida, isolada, inculta. Blasmefei contra tudo e contra todos.
A última vez que o vira, foi há cerca de três anos, na cinemateca.
Um encontro frustrante mas que me marcou para sempre. O mundo da arte tinha-me aproximado da sua pessoa, e, estando com alguém que me era caro, apresentei-os. Passou os seguintes 15 minutos do nosso fugaz diálogo a tecer notáveis elogios ao meu (entao) belíssimo, encantador e fantástico namorado italiano, que nem sabia quem ele era.
A mim, nem mais me viu, desde que aquele adóniz latino passou diante o seu olhar.
Recordo agora com melancolia esse último trocar de palavras enquanto penso com tristeza ao meu avô, que se despede de mais um dos seus companheiros de aventuras. A vida é uma estranha besta.
PASTELARIA
Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra
2 comments:
acho admirável este poema.
gosto muito.
acabei por escolher outro para deixar no meu blog, por motivos pessoais, mas este é obrigatório.
sim, este é de facto estupendo!
bj
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