Wednesday, April 16, 2008

Mal d'Archive - I'm not sure, I can't recall

Estou a sofrer de mal de archivo (deixo archivo com ch porque foi assim que o digitei quando comecei a escrever este post).
Hoxalá fosse uma perda de memória intencional e desejada, que me conduzisse ao oblívio (diz-se oblívio em Português? Português escreve-se com letra maiúscula? Maiúscula tem acento? Assento com ss? Naaa... Começam agora a entender o meu mal de arquivo?!?), mas como eu dizia, ou escrevia, este não é um esquecimento voluto (voluto acho que também não se diz, estou pela primeira vez a escrever como penso, em diversos idiomas, para que consigam entender o que me vai, e não vai, pela mente. Voluto significa desejado em italiano, vem de 'volonta'), é uma gradual perda de sintaxe, de linguagem, de arquivo linguístico. Não consigo falar correctamente em nenhuma língua, tal como não sou capaz de pensar num único idioma. Sonho em italiano, conto em português, escrevo fluentemente em inglês, irrito-me em espanhol e insulto em francês (cretin, con e conard são três dos meus 'elogios' preferidos). Perdi o fio à meada e já não sou capaz de seguir um discurso por uma só estrada, mudo de caminho a metade, vou buscar coisas aqui e ali e construo uma teia de aranha tão torta que acabo por ficar presa entre os fios. Por vezes, o meu cérebro entra em tilt (será que tilt se diz em português? em italiano significa quando uma máquina crasha, e, já agora, como se diz crashar no nosso belo idioma?) e torno-me literalmente incapaz de pronunciar uma única palavra, fico a olhar embasbacada para a pessoa à minha frente e não consigo articular um som que seja. É triste. Épouvantable, diria um francês, e bem dito, por sinal.
Este mal de arquivo está-me a causar inúmeros problemas, sobretudo se pensarem que o meu ganha-pão vem do que digo e do que escrevo... mas ensino em italiano, escrevo em inglês, traduzo para português, leio em espanhol e em francês e por aí adiante.
Gostava de transferir este mal de arquivo para um processo pessoal, de ser capaz de condenar determinadas pessoas ao esquecimento e de automaticamente trazer outras para o primeiro plano (expressão que acabei de emprestar do italiano, diz o meu neurónio lúcido). Gostava de ter a capacidade de arquivar as emoções com a mesma elasticidade abusiva com que catalogo os idiomas, de misturar filósofos, correntes, ideias e descrições com a mesma inteligência associativa com que sou capaz de gerir uma grossa fracção dos idiomas da velha europa.
Estou a reler um velho amigo como terapia: Archive Fever: A Freudian Impression. Derrida, novamente e sempre. Está disponível em fragmentos na internet. E vale a pena. Muito. Molto. Very. Mucho. Molt (até o sacana do catalão tem que aparecer por aqui de vez em quando!). Beaucoup. E por aí adiante.

3 comments:

luis said...

Oh, que confusão! No meu caso, que trabalho em Portugal mas exclusivamente com gente de fora do país, estou a ficar um emigrante que não sai do lugar. Já me falha muito o português, e caio sempre no inglês para quase tudo, mesmo as coisas mais básicas. :|

(Gostei do blog, sim.)

Sinapse said...

ahahahahah! grande texto, Spring! adorei!!

ulrich said...

a ver se também leio esse livro do Derrida, o mal de arquivo é generalizado, só esquecendo podemos voltar a ser felizes, já dizia Nietzsche